Foi ao sabor duma cigarrilha birmanesa, sentado no barco, com as pernas suspensas sobre as águas do rio, que comecei verdadeiramente a contemplar as vinhas do Vale do Douro, Património Mundial Unesco desde 2001.
Apesar da viagem ter começado cedinho de manhã no Porto, só ao princípio da tarde, já depois de termos atravessado as três comportas que nos fizeram navegar Douro acima, é que começámos a ver verdeiramente as paisagens de vinhas, a trademark desta região.
Subindo preguiçosamente o rio, com o sol a bater na cara e num estado zen criado pelo tabaco enrolado à mão na Birmânia, trazido por um amigo acabado de regressar de lá, fomos avistando sucessivamente as grandes quintas do Douro, com as suas marcas de Vinho de Porto: Ferreira, Sandeman, Croft…
É Outubro e em muitas das quintas faz-se a vindima. Que diferença das paisagens vinícolas francesas, onde as vinhas se estendem por campos e campos e a apanha das uvas é feita por máquinas. Aqui, a maioria da vindima é feita à maneira antiga, já que o terreno é tão íngreme e estreito que nenhuma máquina ali chega. Ainda melhor, digo para mim. É bom saber que ainda há coisas que podem ser feitas como antigamente!
O ritmo lento das águas do Douro e do nosso barco é interrompido de vez em quando pela passagem, mais rápida,do comboio, como um intruso bem vindo, que traz um toque de industrialismo ao cenário, contrastando com o verde das vinhas e com o azul do rio. Imagino-me já no dia seguinte a ver a mesma paisagem, mas sentado à janela do comboio, quando regressar ao Porto.
De vez em quando, edifícios em ruínas levam-nos a outra época, uma época onde ainda havia comboios a vapor e que as pipas de vinho eram transportados em barcos rebelo até às caves em Gaia, não fosse esta a mais antiga zona de vinhos demarcada do mundo, datada de 1756, na época do inevitável Marquês de Pombal!
Ao final do dia chegamos ao Pinhão, uma pequena vila na margem esquerda do rio, onde vamos passar a noite na Quinta de La Rosa , uma quinta vinícula que conta também com um pequeno hotel muito simpático, com vista para o Douro. À noite, depois duma agradável refeição servida na sala de jantar, aproveitamos para provar os diferentes vinhos de Porto que a quinta produz, ao sabor de mais umas cigarrilhas birmanesas, à conversa no terraço, olhando para as águas escuras lá em baixo e para os montes em redor, iluminados pela lua quase cheia.
É já num estado de paz interior, proporcionado pelas cigarrilhas e pelo vinho do Porto home made, servido em doses generosas, que vamos aproveitar uma das actividades que esta quinta proporciona: pisar as uvas, já que estamos mesmo na época das vindimas! É uma experiência agradável, com a rugosidade das uvas a massajar os pés, e acima de tudo social, onde aproveitamos para falar com os trabalhadores da quinta, que nesta época do ano dura, andam na vindima durante o dia e à noite pisam as uvas que colheram.
Na manhã do dia seguinte passeámos pela herdade, pelos caminhos rodeados de vinhas, que cobrem a colina desde o topo até às águas do Douro. Dirigimo-nos à zona mais íngrime de todas, baptizada de Vale do Inferno pelos trabalhadores, em tributo aos dias de trabalho árduo ali passados! Rasgada por muros de pedra que criam artificialmente vários andares de vinha, é o sítio ideal para apreciar o Douro e as suas vinhas em toda a sua beleza.
Antes de partir, de volta ao Porto de comboio, fizemos ainda a visita à adega e a toda a unidade de produção do vinho, onde nos explicaram a diferença entre os Tawny, os Ruby e o que é um Vintage. No final, houve a típica degustação dos diferentes vinhos produzidos na quinta, onde pudémos ainda trocar dois dedos de conversa com a Dona da quinta, uma simpática senhora Inglesa, com um português perfeito mas com um sotaque inglês charmante!
Parece incrível que tenha demorado 30 anos a descobrir este pequeno canto de Portugal, um dos mais bonitos que o nosso pequeno país tem para oferecer!Se ainda não vieram, e ainda não fizeram o percurso de barco no Douro, venham já, vale mesmo a pena!
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Informações Práticas:
Como ir:Várias agências de viagens oferecem o percurso de barco rio acima, com provas de vinhos e regresso de comboio. Nós decidimos viajar directamente com a companhia que opera o Barco, a Rota do Douro, desde o Porto até ao Pinhão. Preço: 95 euros por pessoa, com direito a pequeno almoço, almoço e lanche durante o percurso. Uma alternativa mais barata e que compensa será somente fazer a parte mais bonita do trajecto desde a Régua até ao Pinhão e voltar, com o resto do trajecto de comboio.
Onde Ficar: Ficámos na Quinta de La Rosa. Com diárias à volta de 100 euros, não é barato, mas para uma ocasião especial como era a nossa (celebrar aniversário dos 30 anos!) é um miminho merecido!
Onde comer: Jantámos à noite na Quinta de La Rosa. É um jantar simples mas bom, se bem que um pouco caro, com a oportunidade de beber o vinho de mesa e do Porto produzido na Quinta. Almoçámos no Pinhão no LBV 79, um dos melhores restaurantes da vila, com vista para o Rio, com bons pratos típicos portugueses.