Moçambique- Impressões e Divagações

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Algumas das minhas primeiras recordações de infância estão ligadas a África. Quando era miúdo ficava algumas vezes em casa da Dona Dila, uma senhora, que tal como milhares de Portugueses, tinha voltado de África depois do 25 de Abril. Tinha vários ornamentos africanos espalhados pela casa como dentes de Marfim, estátutas de elefantes. Talvez também máscaras e quadros de cenas de caçadas agora que penso… Para um miudo de 3 ou 4 anos todas aquelas coisas eram mágicas, criando um áurea de fascínio por África. Mais tarde ao aprender a História de Portugal colonizador, tal como é contada em Portugal e ao ouvir relatos de pessos que viveram em Lourenço Marques, na minha cabeça criou-se uma áurea de romantismo em torno dessa época. Lembro-me de ter dito a mim próprio várias vezes como deveria ter sido bom de poder ter vivido nos anos 50, talvez mesmo 60, na África Portuguesa.

Foi portanto com alguma expectativa que entrei em Moçambique! Para além da curiosidade por esta antiga colónia portuguesa, a minha própria existência ou melhor inexistência poderia ter estado ligar a este sítio. O meu pai escapou por pouco a vir para este país, para a guerra, não tivesse sido o 25 de Abril. Nampula era o seu destino. Será que se tivesse vindo teria voltado? Será que se tivesse voltado as coisas teriam se passado da mesma maneira? Uma comissão em África muda muita coisa. Ou talvez não. Talvez tivesse só voltado com umas histórias e umas estatuetas para mostrar aos filhos…

Estava preparado que Moçambique fosse pobre. Sim, mas estava acima de tudo com expectativas das pessoas simpáticas e das belas praias, que todos os retornados recordam com saudades. Todas estas expectativas se vieram a revelar acertadas. Os sorrisos, as praias, para além do peixe, do marisco e todos os outros pratos moçambicanos com sabores indianos tornam a visita a este país uma experiência super agradável para qualquer pessoa que venha cá (sem falar da língua, o que torna tudo  mais intímo e amigável para portugueses e brasileiros).

Porém, a pobreza e a decadência ou mesmo abandono dos antigos edifícios coloniais despertaram em mim, em certas alturas, sentimentos contraditórios, que iam do saudosimo do tempo colonial (onde tudo devia ser limpinho e organizado), à pena pela história recente deste país , passando um pouca pela culpa de como Portugal falhou redondamente como país colonizador, não tendo conseguido fazer uma transição política pacífica como conseguiu a Inglaterra e ter evitado as décadas de guerras e de retrocesso económico que Moçambique sofreu no último século… Isto sem falar de me ter dado conta de certos detalhes da presença colonial portuguesa, que me inteirei recentemente ao ler alguns livros ingleses e moçambicanos sobre o tópico, baseada na descriminação, exploração da mão de obra quase a um nível de escravatura, para além do total desleixo pelas populações nativas a nível de educação e de saúde (o que talvez não seja de estranhar, quando o próprio Portugal nessa altura apresentava indíces de desenvolvimento vergonhosos a nível europeu…) Enfim,todas as antigas potências coloniais têm a sua cruz a carregar na história mundial e Portugal é uma delas.

Passámos 17 dias em Moçambique, pelo que ao que escrevo aqui é limitado a nível de tempo e a nível geográfico, já que só estivémos em Maputo, Inhaca (uma ilha ao largo de Maputo) e a praia de Tofo. Mas aqui ficam as minhas impressões

Maputo

Tal como Moçambique, Maputo despertou-me sentimentos contraditórios. As expectativas eram altas, não tivesse a antiga Loureço Marques a reputação de ser das mais belas cidades de África! Com tantas expectativas tenho de confessar que a primeira impressão foi um pouco de desilusão, especialmente porque apesar de Maputo estar à beira mar, não está virada para o Mar. A avenida marginal divide-se entre uma pequena rua abandonada, ou uma larga faixa de rodagem, onde circulam os carros a alta velocidade. Talvez tivesse na cabeça a marginal de Luanda. Assim sendo, as grandes avenidas e ruas de Maputo, muitas delas com nomes de ilutres figuras comunistas como Mao Tse Tung ou Kim Jung Il, todas paralelas e rectangulares entre si, estão dipostas um pouco mais para o interior, onde se alinham ora grandes prédios de apartamentos ora vivendas, consoante a rua ou avenida.

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E é aí que o charme de Maputo se encontra, especialmente para um português, porque toda a cidade parece um bairro antigo português, com a arquitetura típica dos anos 50 ou 60. Talvez 90% do centro da cidade de Maputo esteja coberta ainda por edifícios da época colonial. E destes diria que uma grande maioria não teve qualquer tipo de manutenção desde que os portugueses sairam, há 40 anos. O que dá há cidade um ar misto de decadência e abandono mas também charme ao mesmo tempo. A mim pessoalmente evocou ainda sentimentos de nostalgia e também de pena. Quem teria vivido naquelas casas? Como teria sido o momento da partida? Que sentimentos sentirá alguém que tenho conhecido Lourenço Marques? Saudades dos bons momentos aqui passados? Coração partido?

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E depois há o reboliço da cidade, com as chapas (mini bus de transporte colectivo), os taxis, os tuk tuks e os jeeps a abrir pelas ruas da cidade, os vendedores de tudo e mais alguma coisa pelos passeios esburacados, as lojas, algumas delas ainda adormecidas no tempo colonial. Para quem vem da África do Sul, entrar em Moçambique é entrar verdadeiramente em África e sair de uma quase Europa!

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Viver aqui, pelo menos durante um ou dois anos pode ser agradável. A simpatia dos Moçambicanos aliado à grande quantidade de expatriados, que trabalham aqui, nas inúmeras empresas de construção por exemplo ou nas imensas ONGs (parece que Moçambique é dos paraísos a nível mundial para quem trabalha nestas organizações, pelo bom tempo, praias, pessoas simpáticas, exotismo e relativa segurança!) faz com que seja fácil criar um grupo de amigos, havendo bastantes restaurantes e bares para sair. Aos fins de semana, há sempre a praia não muito longe (não em Maputo em si, mas a uma hora de distância para um bom spot) e para quem precisa dum pouco de mais de civilização e consumismo, há sempre Nelspruit, a primeira cidade na África do Sul, a umas duas ou três horas de carro, consoante as demoras nas obras no percurso e a fila na fronteira.

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Fora de Maputo

Há dois anos fui com alguns amigos à Ucrânia ver o Campeonato da Europa de Futebol. Viemos da Polónia e ao atravessar a fronteira tivémos a impressão de ter entrado numa máquina do tempo e ter viajado 20 anos para o passado. Quando atravessamos da África do Sul para Moçambique temos a impressão de ter viajado atrás no tempo 50 anos, ou mesmo de ter passado para uma época anterior de civilização. É a diferença entre as bermas da estrada limpas e lixo por todo o lado. É a diferença entre ter cubatas de colmo e edificios em tijolo. É a diferença entre ter casas pintadas e casas em tijolos de cimento. É a diferença entre ter campos e campos vedados, cultivados ou com gado e ter mato. É a diferença entre o primeiro mundo e o terceiro.

É este o choque inicial. Como um viajante que chega ao caos da India, ao fim de algumas horas já estamos habituados e começamos a apercebermo-nos das cenas do quotidiano: os vendedores que vêm as janelas do autocarro vender fruta, mandioca e caju. As crianças que vão para a escola. As senhoras que transportam enormes volumes à cabeça. Moçambique é um país pobre, mas na sua pobreza e simplicidade podemos ver a beleza. Não só a natural, das florestas de palmeiras, a savana, as praias, o mar, mas acima de tudo das pessoas, de observar o seu dia a dia, interagir com elas, falar a língua de camões e rir. Quanto me ri neste país!

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Resumindo e concluindo

Visitar Moçambique é uma experiência intensa, especialmente para quem tenha um pouco mais de interesse e sensibilidade pela história do país. Leva-nos a revisitar a história Portuguesa tal como é romanticamente recordada em Portugal e imaginar como a história de Moçambique a vida dos Moçambicanos poderia ter sido diferente se Portugal estivesse estado um pouco mais à altura dos acontecimentos.

Dum ponto vista puramente turístico é um país estupendo para visitar! Pondo de parte o primeiro choque da pobreza do país, a simpatia das pessoas, as praias, a água quente e transparente, o surf, o mergulho, o bom tempo, o falar português, o charme dos antigos edifícios coloniais, o peixe e o marisco fazem com que seja um país a visitar!!

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