Tenho que confessar que a chegada a CapeTown foi um choque.
Apesar da cidade estar localizada num cenário paradísiaco, directamente ao pé de montanhas escarpadas que se erguem abruptamente da planície habitada, rodeada por dois oceanos (agora que penso, dos 50 e tal países que já visitei, não há nenhuma outra grande cidade com este cenário magnífico), o contraste de riqueza entre os bairros ricos (de brancos) e os bairros de lata (de raça negra), os empregados todos raça negra em restaurantes onde todos os clientes são brancos, os pedintes na rua por todo o lado (que te seguem sem ser violentos, mas com persistência) e a impressão que apesar da mudança de governo e fim do apartheid, a nível social, as coisas pouco mudaram. Brancos saem com brancos, em zonas de brancos, pessoas de cor saem com pessoas parecidas nas suas zonas.
Estamos com pessoas parecidos conosco
Esta foi a primeira impressão. Tivemos depois a oportunidade de ir jantar com duas raparigas sul africanas, que fazem parte da comunidade CouchSurfing. Conversar com elas foi bastante esclarecedor, porque fez-me pensar que, certas coisas na África do Sul, são como por todo o mundo, independentemente do passado de Apartheid. Da mesma maneira que Portugueses e Brasileiros se juntam entre eles quando moram no estrangeiro, ou como o nosso grupo de amigos são pessoas com o mesmo centro de interesses, tipo de educação e maneira de ver a vida, também aqui na África do Sul se passa a mesma coisa. Seria idealista de dizer, ” Ah, mas porque é que eles não se misturam, porque é que não é uma sociedade verdadeiramente multicolor?” Bom…se pensarmos em Lisboa, ou outras grandes cidades europeias, também lá temos zonas onde comunidades se juntam, por vezes em torno de um nacionalidade, por vezes em torno duma região específica, ou da cor da pele. (muitas vezes devido condicionantes económicas, como os preços das casas). Também por todo o mundo temos bares e restaurantes onde se entrarmos, toda a gente vai ficar a olhar para nós, porque somos diferentes de todos os outros clientes (discotecas de kizombada?!) Na África do Sul é exactamente a mesma coisas. Em tempos havia uma opressão racial que impedia as pessoas de irem a sítios diferentes, hoje em dia é um processo normal, onde as pessoas vão onde se sentem confortáveis. Uma pessoa de cor pode vir nos bairros e restaurantes de brancos, sem problemas, mas provavelmente vai-se sentir menos confortável do que se ficasse em zonas frequentadas por pessoas como ela.
Infelizmente há um catchup económico racial a fazer
Claro que há ainda muitos problemas na sociedade sul africana, resultantes do apartheid. Apesar de já se terem passado 20 e poucos anos do fim do Apartheid, este regime criou diferenças económicas importantes a nível racial, que faz com que a quase totalidade das pessoas pobres sejam de cor, e que a quase totalidade dos brancos tenham um nível de vida confortável ou sejam mesmo ricos. Isto apesar de haver cada vez mais pessoas de cor na classe média e mesmo ricos. Esta diferença económica entre raças vai levar gerações a recuperar, porque os pontos de partida, com igualdade de oportunidades é tão distinto. Aqui poderemos fazer uma analogia com o resto do mundo: quanto tempo demorarão os pobres de cada país a melhorar a sua situação. Gerações também, e não serão todos, porque vai depender da situação económica de cada país, dos programas governamentais claro, do esforço de cada um, e do valor dado ao trabalho e à educação. Aqui na África do Sul é normal ver todos os empregados de raça negra, porque são eles, que devido ao Apartheid e não só, que pertencem à classe social que precisa de trabalhar neste tipo de trabalhos. Da mesma maneira que em tempos havia muitos empregados de mesa brasileiros e ucranianos a trabalhar nas obras em Portugal, e Portugueses a fazer o mesmo trabalho em França. São as leis do mercado, cada caso com as suas específicas origens, mais ou menos dramáticas.
A pobreza
Penso que ao morarmos na Europa, ficamos um pouco desligados com a infeliz realidade do resto do mundo, onde há tanta pobreza e contrastes entre as diferentes classes sociais. Os bairros de lata, pessoas por todo o lado a pedir dinheiro, vasculhar nos caixotes do lixo e a dormir na rua, fazem-nos impressão. A mim faz-me sentir um bocado triste, quase sentir-me mal por ter sido abençoado de ter nascido onde nasci, com os pais que tive e me ser possível de viajar pelo mundo e ter uma vida confortável, enquanto tanta gente à minha volta luta pela sobrevivência…mas as pessoas aqui, mesmo ao fim de alguns meses ficam insensíveis a essas coisas. Os Sul Africanos já nem reparam nisso. Faz parte da vida. Neste aspecto África (e outros países com imensa pobreza, como a Índia) faz-nos por um lado mais duros, mais insensíveis à miséria dos outros com o tempo, mas por outro lado, faz-nos dar valor ao que temos e relativizar os nossos pequenos problemas….
A insegurança
A insegurança, tal como a pobreza é uma realidade de que não podemos fugir na África do Sul. As pessoas aceitam se querem viver neste país lindíssimo, com imensas oportunidades, têm de aprender a lidar com a insegurança! Quer seja caminhar rápido no centro da cidade, andar em grupos maiores quando se sai à noite, não enviar sms no meio da rua sem prestar atenção ao que se passa à volta, fechar janelas e portas nos carros, tudo isto se torna uma segunda natureza. Também se torna um custo fixo, porque tem que se equipar a casa como todos os equipamentos de segurança e mesmo pagar para ter um guarda no bairro. Uma das histórias incríveis que ouvi, foi de um turco que foi assaltado em casa enquanto dormia, tentou lutar contra dois dos assaltantes enquanto o seu cão lutava com um terceiro, e acabou com cabeça e mão partida, antes de conseguir fugir. Disse-me que apesar de todos os equipamentos de segurança, há sempre a possibilidade que algo aconteça, e nesse caso é melhor ter uma arma em casa. E se esse dia chegar e tiver que disparar a matar, o melhor é esconder o corpo, porque o sistema justiça da África do Sul, onde iria ter um juíz negro, iria-lhe fazer a sua vida…negra! (disse-me que a lei diz que tem de se disparar um tiro para o tecto de aviso antes de se disparar, mas que o senso comum entre os brancos diz que se dispara em primeiro e logo de seguida se dispara para o tecto, para quando a polícia vier!).
Bem vindos à África do Sul. É um país lindíssimo, mas entre por sua conta e risco.
