O Trans Siberiano é sem duvida uma das viagens míticas que todos os viajantes tem na sua lista de aventuras. Atravessar a Russia, em toda a sua extensão, incluindo a Sibéria, (que na língua portuguesa é sinónimo de desterro e congelador ao mesmo tempo), numa sucessão de dias e de paisagens evoca um sentimento de aventura romântica que pertence a outra era e que, num mundo digital e interligado de hoje, é difícil de igualar.
Antes de mais, sejamos facciosos. O “verdadeiro” transiberiano atravessa literalmente a Sibéria toda, começando em Moscovo e acabando em Vladivostok. Isto sao 9289km. Sao 6 dias, 2 horas e 8 minutos de comboio.Non stop.(para terem uma noção é a viagem do alfa pendular Lisboa-Porto…54 vezes seguidas!:) Como devem imaginar, esta não é uma experiencia turística como as outras; é antes uma experiencia de vida, onde aprendemos a estar bem conosco próprio durante 6 dias inteiros, num espaço fechado, observando as estepes e cidades russas que se sucedem. Tentando comunicar com os companheiros de carruagem russos, rindo e bebendo muito chá. Um ou dois copitos de vodka, com arenque fumado para empurrar ajuda. Muita leitura. Bastante musica e sestas.
Na realidade, os viajantes chamam fazer o transiberiano a tudo o que seja atravessar grandes extensões da Russia em Comboio. Até porque fazer 3 dias seguidos de comboio da já uma boa ideia da experiencia do Transiberiano. Também é normal partir a viagem em trajectos mais curtos, para poder visitar algumas cidades e se ter uma noção de como é o interior da Russia para além do que se vê da janela do comboio. Kazan, Yekaterinburg, Krasnoyarsk Irkutsk, e Ulan Ude são paragens normais.
O que também é normal é fazer não o Transiberiano mas sim o Transmongoliano, que é uma pequena batota, mas que torna a viagem um pouco mais cultural e variada, ao levar-nos de Moscovo a Mongolia, um dos países mais bonitos do mundo, acabando em Pequim na China, vizinha da Russia mas, ao mesmo tempo, noutro mundo.
Foi esta a versão que fiz,em sentido inverso, partindo de Beijing, com paragens em Ulan Batar, Irkutsk, Yekaterinburg, Nizhny Novgorod e Vladimir, antes de chegar a Moscovo.
O percurso mais longo que fiz foi de Irkutsk a Yekaterinburg.3500 km em 52 horas. Para quem tinha passado 2 semanas nas estepes abertas da Mongolia e no Lago Baikal (maior lago de água doce do mundo)foi um pequeno choque Claustrofóbico! Para maximizar a local experience e minimizar o impacto na carteira (já em estilhaços depois de 7 meses na estrada) viajei na classe platskartny. Dito desta forma exótica parece o nome dum foguete russo, mas é nada mais que terceira classe, com compartimentos abertos de 6 camas, 3 em cada lado. Duas casas de banho básicas, sem chuveiro, para todo a carruagem.E russos. Só russos. Resumindo, todos os ingredientes para uma experiencia unica!
As horas sucedem-se, e para alem de olhar pela janela, leio muito, aproveito para provar todo o tipo de comidas que as babushkas, avozinhas russas vendem a cada paragem (adoro estar de volta a um pais “Europeu” e reencontrar sabores familiares, depois de 6 meses por países de cozinha exótica). Troco comentários e pequenas discussões com os meus colegas de compartimento: uma mãe solteira e o filho que vão visitar a família nas estancias balneares do Mar Negro e uma velhinha que vai ver o filho a Moscovo. Isto no limite do meu russo básico, à base dum polaco rudimentar(da, niet, dobra (bom), kaput…). Tento ser simpático e cair nas boas gracas da provodnitsa, a hospedeira da carruagem, cuja disciplina e humor sério faz mais lembrar aquela professora severa que todos tivemos.
Não tenho jetlag- tenho algo pior, porque não sei que horas são por ter escolhas a mais! Sera que me oriente pelas horas de partida e chegada do comboio, horas de Moscovo (Greenwich+3)? Ou pelas horas do ponto de partida, Irkutsk, Greenwich+9? Ou talvez pelo horas da cidade de destino, Yekaterinburg, Greenwich+6 ? Estou na twilight zone, num autentico buraco negro temporal!
Durante o percurso, a paisagem varia entre as estepes russas, com planícies, ou florestas, e as povoações. Cidades com edifícios tipo caixote soviético, ou aldeias, com casas mais ou menos modernas, alternando entre construções recentes de tijolo e mais antigas em madeira, saídas dum livro de Tolstoy. Vê-se que as estradas que ligam as cidades são parecidas àquelas que os nossos pais nos contam de há 30 anos em Portugal, o que explica em parte porque viajar de comboio é uma instituição na Russia (a outra parte
são, claro, as distancias a conduzir!).
É bonito? Nao vos vou mentir: não são das paisagens mais bonitas do mundo, ou mesmo das viagens mais bonitas do comboio (como uma viagem pela costa do Mediterrâneo entre o Monaco e Marselha, ou, como imagino, pelas paisagens do Canada). É uma paisagem humana rude e um cenário natural constante, com uma sucessão de planícies e florestas que não nos deixam verdadeiramente apreciar a extensão da estepe russa. Faltam montanhas para apimentar o cenário.
Mas a viagem vale pela experiencia de comboio e por observar e interagir com o povo russo num dos seus rituais mais característicos. Vale por imaginar tártaros, cazaques, mongóis, russos e o Miguel Strogoff a cavalgar e a conquistar as estepes. Vale por olhar para as cidades e aldeias russas e imaginar os tempos da União Soviética e o resultado pratico que foi a maior experiencia social de todos os tempos, a União Soviética. Vale porque não é só uma viagem, mas uma experiencia em si. Vale a pena porque é o Transiberiano!
E vocês? Já fizeram o transiberiano? O que acharam? Gostariam de fazer? Porquê?