Nesta edição do “A palavra a” vamos provavelmente ao sítio mais surreal e alternativo neste planeta. A Coreia do Norte! Uma experiência social à escala dum país, um pedaço de terra parado no tempo e sujeito aos caprichos duma família de ditadores que desde há mais de 50 anos passam o testemunho de pai para filho!
Conheci a Vera na minha primeira grande viagem, na minha passagem por Beijing, quando a camaradagem e a network que existe entre antigos membros do programa de estágios Inov Contacto nos pôs em mesmo em contacto e pude beneficiar do seu confortável sofá durante vários dias! Depois de vários anos a trabalhar em Beijing como jornalista, a Vera mudou-se há pouco tempo para o México, mas antes de ir, foi visitar a Coreia do Norte com o namorado durante três dias, e conta-nos aqui essa experiência surreal!!
Créditos Fotografias: Vera Penêda
Coreia do Norte?! Porque decidiram ir lá?
Realmente não foi a ideia mais romântica que já tivemos…mas foi uma viagem inesquecível. O Chris, o meu namorado, tinha muita curiosidade e interesse em visitar a Coreia do Norte, e como eu quero ir a quase todos os lugares do mundo (excepto algumas zonas de guerra e países onde as mulheres são altamente oprimidas) que ainda não visitei, pareceu-me uma óptima ideia embarcar nesta viagem.
É mais complicado visitar a Coreia do Norte de outro ponto que não a China. Beijing é atualmente o único ponto de ligação para entrar na Coreia do Norte de comboio ou avião. A China e a Coreia do Norte mantêm relações diplomáticas e existem pelo menos duas agências de viagens que levam estrangeiros para a Coreia do Norte a partir de Beijing – que na China e na própria Coreia do Norte é oficialmente referenciada como DPRK (Democratic People’s Republic of Korea). Aquanda da viagem, estávamos prestes a deixar a China para ir viver para o outro lado do mundo por isso pensámos que seria a nossa última oportunidade de visitar a Coreia do Norte…e lá fomos nós.
Como foi a preparação da viagem? De certeza que a preparação para um sitio destes é diferente de qualquer outro lugar…
Na verdade, esta viagem requer pouca preparação. É sempre aconselhável fazer alguma pesquisa para ver quais são os pontos turísticos e aprender mais sobre o país, mas foi a agência de viagens que sugeriu um itinerário e tratou das burocracias como o visto, a marcação dos bilhetes de avião e do hotel, de acordo com a nossa disponibilidade.
Tivemos que responder a um questionário acerca da nossa informação pessoal mas não pudemos especificar que somos jornalistas; indicámos profissões semelhantes como editor ou copy-editor. Tivemos que “prometer” ao nosso agente que não íamos escrever acerca da viagem ou publicar vídeos e/ou fotografias com fins comerciais após a viagem. Foi um acordo verbal, mas o que estava em causa era a reputação dos guias locais no terreno e do agente que já há anos trabalha com a Coreia do Norte. Foi-nos explicado que, se não cumprissemos com a nossa palavra, a agência poderia ter que deixar de funcionar. Se a nossa conduta no país não fosse conforme as regras, estarimos a colocar a nossa segurança em risco e os guias norte-coreanos poderiam também sofrer consequências.
Também tivemos um briefing dois dias antes da partida acerca do protocolo na Coreia do Norte, das proibições e das recomendações acerca de como deveríamos agir no pais. O briefing serve para desmistificar algumas ideias preconcebidas acerca do Reino Eremita e para fazermos as nossas perguntas. Por exemplo, os homens têm que levar gravata quando visitam o mausoléu dos Kim; os visitantes devem comprar flores para deixarem perto das estátuas dos Kim; e, não há acesso à internet na Coreia do Norte (pelo menos para o comum dos mortais! Existe uma Intranet para o líder e quem está aos eu redor.). É proibido deixar o hotel sem o guia e não é aconselhável tirar fotografias às pessoas sem lhes pedir autorização.
Como chegaram lá?
Voámos a partir de Beijing, com a Air China. O voo dura cerca de hora e meia. A nossa estadia foi de três dias em Pyongyang, onde ficámos no Yanggakdo Hotel, que tem um restaurante (supostamente) giratório no topo.
Melhor altura para ir? Como é o clima?
A melhor época do ano para ir é entre Setembro e Outubro, quando estão a decorrer os Arirang Mass Games ou no feriado nacional a 9 de Setembro. Entre Novembro e Marco está muito frio, e em Fevereiro, quando os norte-coreanos celebram o aniversário do “Grande Líder” é mais complicado para os estrangeiros conseguirem visitar porque a Coreia do Norte lhes dificulta a obtenção do visto. Durante Julho e Agosto, o tempo está quente e húmido, não é nada agradável.
Nós fomos a meio de Outubro e infelizmente os Jogos já tinham terminado. Era Outono, tal e como o conhecemos em Portugal. Apanhámos bom tempo, um dia mais enevoado e outros dois com sol, com cerca de 16-20 graus durante o dia, à noite ficava bem mais fresco quando a temperatura caía para cerca dos 10 graus.
Qual foi o vosso estilo de viagem?
A viagem é organizada antecipadamente. A agência propõe um itinerário e nós podemos perguntar se é possível visitar outros locais turísticos além dos indicados no itinerário. Mas não há grande margem de manobra..os estrangeiros vêem, o que a Coreia do Norte lhes permite ver.
Quais foram as vossas primeiras impressões?
Chegámos curiosos, com os cinco sentidos em alerta para aprender e poder contar a experiência de visitar a Coreia do Norte. Rapidamente percebemos que só iríamos ver o que está ao alcance de um turista estrangeiro, que é uma zona limitada, controlada e sobretudo encenada…onde muitos dos dados históricos que lemos nos livros se contradizem com a informação que se vê nos museus e se ouve dos guias norte-coreanos. Entendemos que é preciso respeitar a conduta e os costumes do país anfitrião e do seu povo, e percebemos que íamos sair da Coreia do Norte com muitas perguntas sem resposta.
Sentiram-se ameaçados/vigiados?
Nunca nos sentimos ameaçados nem diretamente vigiados, mas sim, fica-se com a ideia de que estamos a ser “controlados e que há sempre alguém à espreita.” Os nossos passaportes ficam na posse dos guias desde a chegada até ao último dia de viagem, por exemplo. É impossível deixar o hotel ou partir à descoberta – é proibido os estrangeiros andarem sem guias. Cada local de visita tem um protocolo a ser respeitado e são os guias que nos explicam as regras. Portanto, tudo respeita um itinerário e um guião.
Somos sempre cordialmente convidados a respeitar o guião e a seguir as instruções, mas nós sabemos que a violação das regras pode resultar em castigo ou colocar os nossos guias, que são responsáveis por nós, em risco. Esta ideia é sublinhada vezes sem conta, funcionando também como forma de nos persuadir a não meter a pata na poça.
Claro que a agência colabora de algum modo para esta “sensibilização” e com o status-quo, mas se assim não fôr, não há estrangeiro que entre no país só para visitar. Por outro lado, os guias deixam escapar um ou dois episódios de estrangeiros que partiram à aventura por exemplo para tirarem fotografias, foram expulsos e não podem regressar à Coreia do Norte. Nunca ficaremos a saber se estes contos são mitos urbanos ou não…
Num país liderado por um ditador que gere a seu bel-prazer, arbitrariamente e sem respeito por direitos humanos, não há vontade de testar a sorte e tentar dar a volta ao guião.
Tiveram que ter algum cuidado especifico para não se meterem em trabalhos? (tipo não dizer mal do querido líder?)
No briefing da agência fomos aconselhados a respeitar o país de visita e a sua cultura, princípios que qualquer viajante habitual que gosta de explorar e aprender se orgulha de cumprir onde quer que esteja no mundo.
Nós perguntámos se podíamos discutir política e o estilo de vida na Coreia do Norte com os guias e foi-nos dito que sim, é possível, com cautela e bom senso. Não é boa ideia perguntar a um guia se acha que o Kim Jong-un é um déspota, nem se já visitou os gulags, ou se sabe que todos os dias há gente a morrer de fome na Coreia do Norte. Este tipo de confronto só faz com que os guias se fechem em copas e tornem a visita mais formal e seca. Mas há formas mais delicadas de fazer perguntas. Vai-se passando mais tempo com os guias e eles ficam mais à vontade e acabam por partilhar episódios da sua vida. Nós falámos um pouco de política e tivemos conversas bem interessantes com as nossas guias, mas elas evitaram algumas perguntas e nós não insistimos nem embarcámos em discussões mais acesas. Quem partilha, acaba por receber mais. Mostrámos fotografias que tínhamos nos telefones e nos iPads, falámos das nossas famílias, amigos e estilo de vida e foi assim que os guias foram contando acerca das suas famílias, amigos e estilos de vida no Reino Eremita.
A Coreia do Norte é um país à parte, um verdadeiro estado policial não? Conseguiram ver isso? Sentiram que é um país parado no tempo?
Com certeza que parece um país parado no tempo onde a vida decorre de acordo com um guião. Diria que parece um estado controlado, mas não lhe chamaria policial.
Os rituais de visita, a coordenação da viagem, a arquitectura soviética, os veículos antigos e velhos, os uniformes e as roupas austeras e sem cor, a falta de movimento nas ruas…tudo apela a um ambiente severo, mecanizado e controlado. Sem ser nos momumentos, não vimos uma presença forte da polícia, mas por vezes, Pyongyang parecia uma cidade fantasma, a viver um pós-guerra sem esperança nem alegria.
As revistas, jornais e a televisão no hotel, só mostravam o “querido líder” e as suas visitas oficiais, o povo que chorava na passagem do “querido líder” e, por vezes, telenovelas acerca dos heróis da guerra.
Como viajaram lá por dentro?
Andámos quase sempre numa carrinha de 9 lugares, com as duas guias e o motorista. Andamos um pouco a pé pela cidade e no último dia fizemos uma viagem de metro, um trajeto de seis estacões, que foi das melhores experiências da viagem.
Onde se alojaram? Como eram os alojamentos?
Ficámos num hotel que era regular e limpo q.b. Não existem cortesias nem detalhes de acolhimento ou bom serviço, mas foi uma estadia confortável. Um detalhe curioso, para quem viaja a dois, convém dizer que são casados; os hoteis norte-coreanos não gostam muito que um casal de namorados reserve apenas um quarto. Para o efeito, nós estávamos casados, e mesmo assim, não havia uma cama de casal no quarto do hotel.
Diz-nos alguns preços para ter uma ideia do custo de vida?
A moeda local, o Sun, nem nos passaria pela vista se não tivéssemos pedido para vermos como era. Não pagámos praticamente nada durante a viagem, estava tudo incluído, excepto extras como uma bebida ou uma recordação, que foram pagos com dólares ou renminbi (moeda chinesa). Eu lembro-me de comprar um café, uma lata tipo Nescafé, que custou cerca de 2 euros e uma revista na loja dos livros custava cerca de 5 euros. Uma cerveja custa entre 3 e 4 euros, dependendo se se bebe Taedonggang, talvez a marca de cerveja nacional mais conhecida que foi baptizada com o nome do rio que corre por Pyongyang. Comprei um catálogo de selos que custou cerca de 2 euros e um livro que custou cerca de 10 euros.
Em praticamente qualquer país do mundo, o preço de um menu do MacDonald´s ajudar-nos-ía a perceber o custo de vida, mas a Coreia do Norte está longe de aceitar um franchising americano no país. Não se vêem nem lojas nem supermercados nas ruas, então é meio complicado entender exactamente qual é o custo de vida na Coreia do Norte. Mas somos aconselhados a dar uma gorjeta de cerca de 30 euros, ou tabaco e/ou produtos de beleza, aos guias. E 30 euros, segundo o que nos disseram, “equivale a vários meses de salário.”
Quantos dias fizeram? É o pacote normal para viajar por lá?
Estivemos apenas 3 dias na capital devido a compromissos profissionais, mas é possível visitar por mais dias e ir a outros locais além de Pyongyang, como a DMZ (zona desmilitarizada) e zonas mais rurais.
Qual o itinerário que fizeram? O que mais gostaram? O que valeu menos a pena? O que faltou ver?
Faltou visitar a DMZ, a zona desmilitarizada na fronteira entre as duas Coreias, e também não fomos mais para norte ou o interior do pais. E possível fazê-lo mas é um percurso que exige tempo que não tínhamos. Obviamente que faltou ver tudo o que a Coreia do Norte não nos quer mostrar, mas ese é um percurso que ainda não é possível tomar.
Que pratos/bebidas típicas comeram por lá? Era bom?
Como era de esperar não há restaurantes estrangeiros na Coreia do Norte e para ser exacto, a comida é um bem escasso. Isto foi muito visível ao pequeno-almoco, no hotel. Fomos levados para uma sala de bufet onde a maioria dos tabuleiros estavam vazios. Bebemos café com leite (o café é fraquito, só se encontram algumas latas semelhantes ao Nescafé), torradas em pão de forma com manteiga e uma espécie de omelete com um pouco de vegetais. Quase todas as refeições incluíam ovos.
Todos os días, ao almoço e ao jantar nos levavam a um restaurante diferente onde acabávamos por encontrar os estrangeiros todos que estavam hospedados no nosso hotel. Quase nunca víamos pessoas locais dentro dos restaurantes, e era bem possível que aqueles que víamos fossem figurantes para que o restaurante não estivesse vazio quando os estrangeiros chegavam.
A comida éra-nos imediatamente servida, não havia menu nem escolha. Comemos noodles, kimchi (a couve picante que também se encontra na Coreia do Sul), pato no churrasco, arroz misturado com vegetais e carne picada, batata-doce frita, ovos mexidos. As saladas consistiam de pepino e cenoura ralados. Além destas refeições diárias, era possível comprar uma caixa de bolachas ou um chocolate na loja do hotel, que eram relativamente caros para um norte-coreano, mas a preços razoáveis para um estrangeiro.
Souvenires interessantes a comprar por lá? Havia alguma coisa?
Não, a Coreia do Norte não é um destino para compras. Há muito pouco comércio porque é um país fechado, sem relações diplomáticas, comerciais nem importação. Levaram-nos a visitar a Foreign Language Bookshop e uma outra loja de souvenirs; ambos os locais estavam fechados e abriram as portas exclusivamente para nós, dois estrangeiros que andavam a visitar Pyongyang. Quando chegámos, as luzes estavam apagadas e os empregados a dormir.
Na livraria, só há jornais, revistas e alguns livros de teoria política ou acerca da família dos Kim. Nunca nos vamos esquecer do livro do Kimilsongism, que é uma enciclopédia acerca do modo de governação de Kim Il-sung, e dos livros sobre a Juche Idea, a teoria política fundada por Kim Il-sung que afirma que os norte-coreanos são os mestres do desenvolvimento da pátria.
A loja de souvenirs tem maior variedade de produtos desde chá e alguns aperitivos até esculturas, quadros e bibelots. Nós compramos um livrete de selos da Coreia do Norte. Também há uma loja no hotel que vende produtos semelhantes, como umas bonecas vestidas com o traje típico.
Como são os Norte coreanos? Tentaram/Conseguiram falar com algum? Viram felicidade? As pessoas vivem numa prisão?
Os norte-coreanos pareceram-nos extremamente reservados e vimos poucas manifestações de alegria. No geral, é um país muito sóbrio, cinzento, uniforme. Tal como a cidade, de arquitectura soviética, com prédios de cerca de três andares (não há arranha-céus) e os grandes edifícios governamentais, também as pessoas são algo soturnas, vestem de forma austera, sem cores, nem modas.
Em três dias não foi possível ter muito contacto com os habitantes de Pyongyang, mas confraternizámos com as nossas guias, e com o motorista e houve alguma interação nos restaurantes. Vêem-se alguns sorrisos, mas sempre discretos. Creio que onde vimos mais alegria foi na feira popular que visitámos ao início da noite. É um dos poucos locais de diversão e aí vimos gente a rir, a gritar de medo nos carrocéis e a tirar fotografias.
Falámos muito com as guias. A guia mais experiente já tinha viajado várias vezes para fora do país, a mais jovem ainda não. Fazíamos perguntas e elas iam respondendo; nós tentávamos respeitar a fronteira cultural e da boa educação, elas respondiam sempre de forma cautelosa. Por vezes, quando não tinham resposta, sorriam muito, algo nervosamente, e o tema mudava-se.
Fizeram algumas Atividades Oudoor por lá?
Não há grandes atividades outdoors. A visita à feira popular noturna foi a atividade “mais radical” do nosso programa. J E foi engraçado, porque deu para ver um pouco como se divertem os norte-coreanos, que não tem muitas opções em termos de lazer. O ponto alto foi a montanha russa, onde se viaja deitado (que foi uma estreia para nós) e andar nos carrinhos de choque, onde foi possível partilhar alguns sorrisos com os norte-coreanos. Houve também um passeio a pé por pontos importantes da cidades e a viagem de metro, que não são exactamente atividades outdoors. Algo espontâneo como um picnic ou uma saída a pé para fotografar a cidade sem ajuda dos guias, não são programas possíveis.
Balanço Final da viagem? Recomendam? Que sugestões dariam as pessoas que gostariam de ir a Coreia do Norte?
O balanço final da viagem é muito positivo. Com certeza que recomendamos uma viagem à Coreia do Norte a quem tem a possibilidade de visitar o país. É uma viagem cara, e não é uma experiência romântica nem puramente divertida ou relaxada, é uma visita de estudo, de aprendizagem. No limite, é uma tentativa de contribuir para que mais estrangeiros oiçam acerca do Reino Eremita e ganhem vontade de visitar, é que sem este turismo limitado, o país e os norte’coreanos estariam ainda mais isolado do retso do mundo. A Coreia do Norte parece um país irreal, inspirado no livro 1984 do George Orwell. Imaginem a fusão de um big brother à dimensão nacional com a atmosfera de um filme de espionagem, uma pitada de drama psicológico, sem festa nem paródia, num país regulado por um ditador.
É uma viagem única, muito estranha e algo perturbadora. Três dias em Pyongyang pode parecer pouco, mas a mim pareceu-me o ideal (a menos que tivesse tido mais tempo para viajar para outras partes do país), porque uma pessoa aprende muito mas sente-se efetivamente vigiada. Senti-me do tamanho de um bago de arroz e com o poder de uma formiga na Coreia do Norte.
É uma aventura, porque nem toda a gente atravessa a fronteira para a Coreia do Norte. Várias vezes durante a viagem pensei que estava no fim do mundo. Senti que, um passo em falso naquele território distante e interdito, com um ditador a dirigir a orquestra, sem voz, nem internet nem telefone, e eu ficava ali para sempre, esquecida, sem ninguém que desse conta de mim ou pudesse ir lá resgatar-me.
É uma invasão, porque várias vezes ao entrar num restaurante pensei que há milhares de pessoas em campos de concentração e outros tantos a morrerem à fome algures na Coreia do Norte, ali bem perto, fora da vista dos visitantes. Pensei que só vi o que me estavam a mostrar – o passado glorioso, a melhor nação do mundo que lutou contra os imperialistas americanos, o povo valoroso – mas se não tivesse embarcado na viagem, nem sequer ia ver essa “encenação” e poder contar como é a vida por lá.
É uma passagem pelo medo, porque é assustador pensar como é que nos nossos dias de século XXI, em que o mundo é global e há organizações internacionais que (supostamente) contribuem para a ordem mundial, um só homem, abominável, pode controlar e isolar um país inteiro e um povo inteiro física e psicologicamente. Esta viagem é um murro no estômago, saímos da Coreia do Norte mais humanos, mais conscientes.
É uma aprendizagem, porque em conversa com os norte-coreanos, uma pessoa entende que há vida e sonhos naquele país além das atrocidades de um ditador e do seu séquito. E porque aprendemos a dar mais valor à nossa liberdade e percebemos que a nossa vida diária esta cheia de pequenos luxos.
Foi quase um contra-senso que, aterrando de novo na China que também é uma ditadura, até respirei de alivio…durante uns bons dias não me queixei da poluição, do transito caótico, nem de precisar de um VPN (virtual private network) para aceder às páginas de internet censuradas pela Great Firewall (a censura chinesa).
Se o mundo melhorar, mais depressa que devagar, a Coreia do Norte deixará de existir tal como é atualmente, e isso é uma boa razão para investir numa lição de história que mostra um pedaço de mundo que ninguém quer preservar.