A minha primeira vez

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Em 2009 foi a minha primeira vez.

A primeira vez que parti numa grande viagem. O que é uma grande viagem? É um conceito geográfico? Não para mim. Uma grande viagem é algo que transcende o simples visitar de sítios, sendo uma forma de viver um período da nossa vida, em que pomos tudo o resto em modo pausa e partimos, para viver a experiência de descobrir o mundo, a sua gente, os seus viajantes e a nós próprios no processo. É um período de aprendizagem, de observação, reflexão que nos faz crescer como pessoas e nos ajuda a pôr a maneira como vemos o mundo em perspectiva. Ajuda-nos a tomar decisões mais sábias e ponderadas. Não posso deixar de recomendar a toda a gente de fazer uma grande viagem uma vez na vida. Vai ser life changing.

A ideia no início era de dar uma volta ao mundo. Mas o tempo, o orçamento e os planos feitos na estrada fizeram com que se tornasse uma volta à Ásia durante 8 meses.

Parti em Janeiro de Lisboa, no sentido Este,  com destino a Istanbul, por ser a maneira mais barata de sair da Europa. A antiga Constantinopla é sem dúvida um bom ponto de partida para uma viagem destas: ainda na Europa, mas também na Ásia, com uma lado moderno e outro tradicional, num ambiente que nos faz sentir em casa mas que ao mesmo tempo nos diz que já estamos noutras paragens. Uma breve passagem pela Capadocia,a caminho da Síria completou a minha breve passagem pela Turquia, tendo decidido não ficar muito tempo por ser Inverno e me dizer que é um destino perto de casa, fácil de visitar.

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Istanbul

 

Agora que penso, a Síria foi um país que me tem marcado mais em retrospectiva, agora que está envolvida numa terrível guerra civil. Passei aqui cerca de dez dias, atravessando de norte a sul, por cidades cujos nomes hoje nos são familiares hoje por causa da guerra como Aleppo ou Homs… Tenho a recordação dum país pobre, um país multucultural, com uma comunidade cristã visível, e com uma riqueza histórica assinalável, desde as fortificações dos Cruzados, até às mesquitas de Damasco, passando pelas ruínas romanas de Palmyra, um sítio mágico.

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Palmyra- Síria

O Líbano foi um país que sempre me fascinou. Isto porque adoro história, sobretudo histórias de conflictos, sendo a tragédia da guerra civil no Líbano algo de incrível- como é que um país considerado a Suíça do Médio Oriente pôde cair numa espiral de violência que durou anos e anos? Ao entrarmos neste país, sente-se que nem tudo está resolvido. Vê-se o exército a controlar vários checkpoints ao longo da estrada, e se tivesse me aventurado em bairros chiitas teria visto provavelmente mílicias armadas do Hezbollah. A visita ao centro de Beirute é algo de incrível, onde por um lado vemos no centro edifícios completamente reconstruídos numa opulência que cheira a dinheiro de petróleo, mas ao lado ainda se vêm edifícios cravados de balas, herança do passado recente!

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Beirute- Versão 2.0

 

O Irão foi a minha primeira paixão nesta viagem. Vinha com expectativas, mas mais dum ponto vista político, de saber como seria este país, uma Republica Islâmica, um pária da comunidade Internacional. Nada me podia preparar para o festival de hospitalidade, de simpatia com que fui brindado neste país. Tirando a antiga embaixada dos EUA, cheia de grafitis anti imperialismo americano, o resto do país só me mostrou o seu lado simpático e acolhedor. Para além disso, o Irão, herdeiro do Império Persa tem imensas jóias arquitectónicas, desde as mesquitas shiitas coloridas até às ruínas de Persopolis, e claro, em  Ormuz, a antiga fortaleza Portuguesa!Viajei de Norte a Sul, visitando Tabriz, Teerão, Esfaham, Yazd, Ormuz e Bam.

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Irão-Esfaham

 O Paquistão foi talvez a maior surpresa da viagem. Era uma visita “forçada” para poder atravessar do Irão para a Índia. Mas depois dum episódio atribulado para atravessar o Baluchistão, e ao falar com outros viajantes, vi que o perigo era mínimo, e aventurei-me vários dias a descobrir o país, pudendo desfrutar da hospitalidade paquistanesa, só comparável à Iraniana, sobretudo nas zonas rurais, em Gillit, no Norte do país, perto da 2ª Montanha mais alta do mundo, o K2. Numa visita um pouco inconsciente aproveitei para visitar também Peshawar, a capital das zonas tribais paquistanesas, a apenas 50km do Afeganistão, onde se diz que grande número das chefias talibãs do Afegão está sediada!

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Algures no Norte do Paquistão

 

A Índia foi um choque. Como é para todos. Mas depois de ter vivido momentos de intensa hospitalidade no Irão e no Paquistão,  na Índia a interação com a população foi frequentemente à base do assédio, de sufoco, com apenas algumas oportunidades de usufruir da verdadeira hospitalidade sincera Indiana. Assim foi difícil para mim apaixonar-me por este país, ao contrário de muitos viajantes. Mas confirmo que é um país mágico, com uma riqueza cultural imensa, e com potencial para ficar vários meses a viajar e desfrutar da arquitectura, gastronomia, paisagem  e diferentes religiões. O ponto alto foi mesmo Goa, que devido à ligação com Portugal, foi um sítio que me despertou sentimentos de nostalgia e orgulho na história de Portugal. Fiquei cerca de 2 meses na India, passando por Armridstar,Chandirgar, Nova Deli, Jaipur, Mumbai, Goa, Varanassi e Calculta.

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Armridstar- Templo Dourado- Sede Espiritual dos Sikhs

 

O Nepal foi a minha segunda paixão nesta viagem. Cheguei sem nenhumas expectativas, mas saí encantado com a variedade de coisas que este país tem para oferecer a quem o visita: o lado aventura, com caminhadas, canyonings ou kayaking e para os dias de descanso a descoberta cultural, com várias cidades pitorescas, bem conservadas e paradas no tempo, a que se junta um povo simpático e uma comunidade jovem de backpackers de todos os cantos do mundo. Ah, há ainda o lado natureza, com a visita ao Parque Chitwan, a procura de tigres e ursos, intervalado com mergulhos com elefantes! 🙂

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Os típicos templos nepaleses

 

Singapura foi o regresso ao mundo desenvolvido! Soube bem. Durante uns dias. Mas depois de viver experiências tão autênticas nos meses anteriores, não pude deixar de achar este sítio artificial. Digamos que para dois ou três dias, para recarregar baterias, para compras e para comer toda a variedade de cozinhas neste melting pot asiático, é ideal. Aliás, disse a mim próprio que a próxima vez que viesse ao Sudoeste Asiático, uma parte do orçamento seria para voar só com uma mochila de dia e comprar tudo o resto nesta cidade! Se calhar tou a ser injusto com esta cidade, mas com tanto exotismo e coisas diferentes neste canto do mundo, passar mais dias numa cidade tão moderna parece-me um desperdício! (ah- não esquecer de visitar o zoo- um dos melhores do mundo!)

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Singapura- Uma das grandes cidades mundiais

 

As minhas recordações da Malásia giram à volta dos dias que passei na ilha de Tioman, a fazer o curso avançado de mergulho de PADI. Depois de 4 meses a viajar era a primeira vez que chegava verdadeiramente aos cenário cliché de praias paradisíacas, bungallows na praia e dolce fare niente. A passagem por Malaca também foi um ponto algo emocionante da viagem, por descobrir um dos legados portugueses nesta região, ainda que ténue, visível nas igrejas e fortificações, mas acima de tudo no bairro cristão, onde se fala um dialecto específico com muitas palavras de português e onde algumas tradições têm claramente origem na nossa passagem por aquela zona.

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Ilha Tioman

 

A Tailândia despertou-me sentimentos contraditórios. Se por um lado adorei a simpatia dos locais, a excelente comida, o custo de vida óptimo e ambiente party para backpackers, as praias,  a riqueza histórica, o lado exótica da cultura e religião local, senti que é um sítio com um afluxo de turistas enorme, que talvez já tenha perdido alguma da sua autenticidade. Pior ainda, tornou-se num dos destinos mundiais de turismo sexual, que em Bangkok assume proporções tristes e que também deixa a sua marca noutras paragens, um pouco por todo o país…

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Ayutthaya- Tailândia

O Myanmar apareceu na minha vida assim, sem ser anunciado ou esperado. Foi daquelas visitas, why not, estou mesmo aqui ao lado! E foi amor à primeira vista! Talvez pela sua autenticidade, ainda tão pouco tocada pelo turismo de massa dos países vizinhos. Talvez por haver uma espécie de áurea de twilight zone, dum país que teve fechado ao mundo exterior durante anos e anos. Talvez pela sua gente simpática e curiosa por estrangeiros, que tiram fotografias conosco para depois mostrar aos vizinhos. Talvez pelo magnífico complexo de templos em Bagan, que ao pôr do sol nos permite escolher o nosso templinho e apreciar o fim do dia em solitária meditação. Talvez pelo Lago Inle, com gente tão diferente que faz a máquina fotográfica não parar de disparar O Myanmar é um país a ir, rapidamente, antes que mude completamente!

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Uma das centenas de fotografias que tirei no lago Inle

A ideia que tinha do Laos era a que nos traz os filmes da Guerra do Vietname. Um país essencialmente rural, coberto de arrozais e montanhas. Por uma vez, a realidade confirmou as expectativas, e descobrir este país sigifica pegar numa BTT ou nas sapatilhas e fazermo-nos aos trilho de montanha, aos carreiros entre os arrozais e apreciar as paisagens, ver como a população local trabalha a terra e cuida dos animais da mesma maneira que os seus antepassados.

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Uma aldeia das tribos de montanha, algures no Norte do Laos

O Vietname é provavelmente o país com as paisagens mais incríveis do sudoeste Asiático. Podemos contar com as montanhas no norte, cobertas de andares de arrozais e povoadas por diferentes tribos. Temos a Baía de Ha long, um paisagem emblemática, (certamente no top 10 das maravilhas naturais do Mundo!), temos  os campos de arrozais que cobrem todo o planalto central, juntamente com as suas selvas e florestas, até terminar no Delta do Mekong, uma larga tromba de água, rodeada por pequenos canais. Juntem a isto uma das melhores cozinhas do Sudoeste Asiático e têm um dos meus destinos favoritos no Sudoeste Asiático, só batido pelo Myanmar! Sugiro-vos um itinerário no Vietname aqui.

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Pôr do Sol na baía de Ha Long

 

Pensava que Hong Kong seria como Singapura. Mas não. Apesar de ser também um grande centro financeiro, com uma influëncia britânica ainda maior, achei este sítio mais autêntico que Singapura. Sim, temos os arranha céus, os grandes bancos. Mas temos mais balbúrdia, mais chineses, mais vendedores de rua, letreiros luminosos por todo o lado, alguns bairros típicos, que faz com que possamos desfrutar do lado Ocidental, mas que a um passo de distância temos a verdeira Ásia. Gostei e a voltar. Sobretudo pelos montes em redor que devem proporcionar vistas incríveis sobre a cidade…

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Muito mais caótico e autêntico que Singapura

 

Macau foi…como voltar a Portugal. Foi como…voltar atrás no tempo, ao tempo colonial. Foi tirar saudades de todos os pratos portugueses, de voltar a falar e rir em português com os amigos que encontrei e fiz lá. Mas também foi o aperceber que apesar de contar com vários milhões da habitantes, é no fundo uma pequena terriola, onde toda a gente se conhece, e onde toda a animação cultural e de noite gira mesmo à volta dos casinos, com todo o ambiente pouco saudável associado…Gostei imenso da semana que por lá passei, adorei a ligação que ainda dura com Portugal, mas era um sítio que acho que não conseguiria morar lá, ao contrário de Hong Kong!

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O mais emblemático de todos!

 

A minha passagem pela China foi um momento de repouso e descompressão. Uma viagem longa destas pode ser bastante fatigante, sobretudo se as distâncias que se percorrem são grandes e o ritmo elevado. Ao fim de 6 meses a viajar precisei de abrandar o ritmo e passei 1 semana em Shangai e outra em Pequim a descansar, a desfrutar da companhia de amigos que moravam lá, tranquilo. Lembro-me que ao fim duma semana em Pequim, onde a minha actividade diária era passear de bicicleta pelas largas avenidas, juntamente com milhares chineses, quase me “forcei” a ir visitar o interior da Cidade Proibida e o Palácio de Verão, já no último dia, antes de sair para a Mongólia! Ponto alto: fazer uma caminhada de 10km na Muralha da China!

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Muralha da China

 

Se me obrigarem a escolher o meu país favorito de toda a viagem, vou tentar arranjar todas as desculpas de como é difícil comparar países, como há uns que gostei mais por umas coisas , outros por outras. Mas se fôr sincero comigo próprio tenho que admitir que a Mongólia foi mesmo o país que mais me fez vibrar, o país que mais me fez pensar “wow, tenho sorte de estar aqui e esta viagem valeu a pena nem que seja só por esta experiência”. E porquê? É difícil de explicar…cavalgar pelas estepes abertas, a harmonia da paisagem com os céus (que céus! nunca vi nada semelhante), a cultura nómada, com as suas tendas redondas e dos cavalos, a total ausência de infra estruturas humanas na maioria do país. Mas acima de tudo, a experiência de partir a aventura de bicicleta e entregarmo-nos ä boa vontade e hospitalidade do povo mongol, abriu-nos as portas para conhecer este país a um nível que muitos poucos visitantes conseguem, e marcou toda a viagem. Poderão ler mais acerca desta experiência aqui.

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Amanhecer no Yurt duma família mongol

O grande regresso a casa foi feito no lendário Trans Siberiano, atravessando as estepes e florestas da Sibéria com paragens pontuais em Irkutsk, Yaketerinburgo, Nizhny Novgorod, antes de finalmente chegar a Moscovo e visitar ainda São Petersburgo. O transiberiano vale mais pela experiência do comboio em si, do que propriamente pelas paisagens ou cidades russas por onde passamos, como podem ler neste post que escrevi a descrever a experiência. 

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Casa durante vários dias na Rússia

 

Após uma breve passagem por Riga e Varsóviavoltei a Portugal para picar o ponto,  antes de começar uma nova aventura no Sul de França, onde estou até hoje, em vésperas de partir na próxima grande viagem!

Não poderia imaginar a minha vida hoje sem ter feito esta viagem. A decisão de orientar  a minha carreira para o Turismo  e por sua vez vir tirar um mestrado para o sul de França  foi tomada numa praia em Goa, que por sua vez influenciou a mulher com que estou nos últimos 4 anos, o trabalho que tive e a vontade de partir agora outra x. Como diria Steve Jobs:

“You can’t connect the dots looking forward; you can only connect them looking backwards. So you have to trust that the dots will somehow connect in your future.”

Posso-vos garantir que uma grande viagem vai-vos fazer ligar os pontos quando olharem para trás. E de uma maneira incrível, impossível se tivessem ficado na vida do dia a dia. Funcionou para mim da última vez, e tenho a certeza que vai funcionar agora.

E vocês? Estão à espera de quê?!

 

 

 

 

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