Esta história começa com dois papelinhos… O primeiro, que coloquei num dos maiores hostels de Ulan Bator dizia: ” Procuro companhia para fazer uma volta de bicicleta de três dias no Parque Terelj. No grannies, no Armstrongs” (nota: a menção a Armstrong nesta altura tinha somente a ver com performance física não com com consumo de substâncias psicotrópicas-estaria perfeitamente receptivo nesse ponto). Tive o grande total duma resposta a este primeiro papelinho, com um americano, o Michael a enviar-me um email a dizer que estava interessado. O segundo papelinho estava escrito em mongol e dizia algo como “Estes dois viajantes gostavam de dormir em vossa casa e comer uma refeição e estão dispostos a pagar 10 dollares por pessoa”- Foi-nos escrito pela agência de viagens onde alugámos as duas bicicletas de montanha, 2 sacos de cama e um filtro de água (já que pedalar e diarreia não combina).

Munidos do papelinho, de uma carta militar dos tempos da União Soviética, um livro de frases básicas em mongol, uns snacks para enganar a fome, espírito de aventura e dose de loucura qb saímos de Ulan Bator, com destino ao Terelk, o parque natural mais perto da capital, a apenas 35 km, sem saber onde iríamos comer ou dormir nos próximos dias, mas confiantes que esta seria uma maneira única de ver a Mongólia e conhecer verdadeiramente as pessoas e a sua cultura!
Devem estar já a imaginar-nos a pedalar pelas estepes mongolianos ao sabor do vento….
Também nós, mas estávamos tão enganados…Depois de uma hora a pedalar ainda não tínhamos saído de Ulan Bator, aka, o sovaco da Mongólia- Tínhamos feito apenas 5km, em estradas esburacadas, percorrendo os bairros de lata em redor da capital, cheios de lama e sido atirados fora da estrada diversas vezes por camiões pouco habituados a ver bicicletas… Sem quaisquer indicações nas estradas e com o nosso mapa rudimentar, depressa nos perdemos..será que tinha sido boa ideia esta aventura?! Decidimos que tínhamos de sair dali o mais rapidamente possível e resolvemos fazer um pouco de batota, pedindo boleia a uma carrinha de caixa aberta numa estação de serviço- iria ser a nossa primeira interação em mongol, uma língua que quase se resume a sons arranhados saídos da garganta (diz-se que se fala alemão com uma batata quente na boca. Mongol é a mesma lógica mas com a batata encravada na garganta !) Mas, agradável surpresa o condutor era húngaro com um inglês perfeito! Era dono duma empresa de florestação, e estava a trabalhar num grande projecto, de plantar árvores em torno da enorme estátua do Genghis Kahn, recentemente construída nos arredores de Ulan Bator. Prontamente ajudou-nos a montar as bicicletas para a caixa aberta e conduziu-nos à entrada do parque- Depois do início um pouco mais difícil, começámos a sentir uma boa áurea que esperávamos não mais nos largar o resto da viagem!

Começámos a pedalar e depressa as últimas construções ficaram para trás. Éramos só nós, o vale verde, as estradas em lama, o ribeiro que descia o vale à nossa direita, e de tempos a tempos, grupos de vitelas, vacas ou cavalos- As bicicletas portavam-se bem e por enquanto as minhas pernas também. Depois duma semana em Beijing, a pedalar para trás e para a frente, estava já habituado ao esforço (pensava eu, nesta altura do campeonato…). A primeira interação com os habitantes do vale depressa chegou- um carro com um casal e um bébé estava atolado no ribeiro. Ao fim de meia hora de empurrões e lama pelos joelhos lá conseguimos tirar o carro dali e fomos prontamente convidados para ir à sua casa, ou seja, a sua tenda redonda, uns km mais acima.



As tendas redondas mongóis,os ger, são um espaço aberto, normalmente com uma cama grande, um altar religioso, um fogão a lenha para aquecer e cozinhar e alguns moveis onde se guardam as roupas e os utensílios de cozinha. Neste ger, havia ainda uma televisão, alimentada por um painel solar no exterior.
Esta era a tenda do pai do rapaz, que prontamente nos começou a falar em russo, a língua que para ele representava o meio de comunicação com o mundo exterior. (interessante é que os Mongóis guardam boas recordações dos russos, uma vez que os protegeram dos chineses, os arqui inimigos dos Mongóis.
Não esquecer que em tempos os chineses tiveram que construir uma muralhinha para se proteger destes meninos a cavalo, e desde então foi altura de pagar na mesma moeda!)
Utilizando o meu polaco básico, conseguimos trocar algumas frases, à mistura com muitos gestos e risadas.Deram-nos a beber o típico leite de égua fermentado, o eyreg, (leite azedo literalmente), com um ligeiro teor alcoólico e um queijo seco, o Aaruul, com um sabor salgado fortíssimo, que se pode conservar indefinidamente. Confesso que o leite era intragável e o queijo difícil de engolir, mas por educação, comemos, repetimos e dissemos que era muito bom! ( dizer que o outro adorava o leite e queijo e queria repetir tornou-se uma brincadeira entre mim e o Michael, das próximas vezes que fomos convidados por famílias mongóis! : )

Depois desta primeira demonstração de hospitalidade mongol, a primeira de muitas, fizémo-nos de novo à estrada. O terreno depressa ficou mais íngrime e dei por mim a ficar muito mais para trás que o Michael, que tinha o hábito de ir para o trabalho de bicicleta todos os dias- o título de grannie e de Amstrong do grupo ficou rapidamente atribuído!
As limitações do nosso mapa soviético ( e do nosso sentido de orientação) tornavam-se preocupantes! Por outro lado, estes episódios criavam oportunidade de interagir com as pessoas. Ao pararmos para pedir ajuda noutro gert, fomos brindados com uma família curiosa a tentar decifrar o nosso mapa e a tentar perceber para onde queríamos ir.
Por esta altura já era hora de almoço e ofereceram-nos um outro prato típico, o buuz, uma espécie de raviolis cozidos com carne picada dentro. Era muito bom, e ajudou a empurrar o queijo salgado e o leite fermenteado que também fazia parte do menu!


Mas como para todas as subidas há uma descida, démos por nós a descer o vale seguinte, a toda a velocidade, sentindo o vento na cara (e o cheiro a bosta nas narinas)! Ao momento de liberdade e euforia, seguiu-se a sensação de mais uma vez estarmos perdidos!
De barriga cheia (uma constante durante os 3 dias!) , voltámos a estrada, para subir o vale que tinhamos descido apenas há momentos, depois de termos concluído que nos tínhamos enganado na última viragem. O fim da tarde aproximava-see começámos à procura de um sítio para pernoitar...
Era altura de pôr à prova o papelinho e verificar que a agência de viagens tinha efectivamente escrito o que tínhamos pedido para escrever e não algo como “Estes dois demônios brancos querem vos roubar e violar as vossas filhas!”. Felizmente, e como no resto dos dias, a cada vez que mostrámos o papel tivemos imediatamente uma resposta positiva!
Encontrámos uma rapariga que falava inglês perfeito- estudava relações internacionais em Ulan Batar e estava a passar férias na casa dos avós, que acederam prontamente em nos alojar e alimentar nessa noite! Após uma breve refeição, deitámo-nos cedo, tal como a família que nos acolhia.
Adormecemos imediatamente, na cama improvisada, feita de cobertores no meio da sala, cansados mas felizes, a pensar no dia que tinha passado e nas paisagens, nas pessoas e episódios que o dia seguinte teria reservado para nós….




Não percam o próximo episódio que nós também não!